Por Paulo Leão de Mora Jr.
Conversando com o Walter Polido, bom amigo e meu “guru” neste conturbado mercado, surgiu o assunto da questão entre tumulto, vandalismo e terrorismo. A meu ver, assunto de suma importância.
Infelizmente e como é de se esperar, o assunto é muito mal tratado e muito pouco claro nas condições brasileiras de seguros; com isso sujeito a interpretações diversas na hora da regulação de sinistros. Ocorre que, com o novo governo, o assunto irá tomar grande importância como consequência da prometida luta contra o crime.
Todos sabem e convivem com a escalada do crime no Brasil, ao ponto de começarmos a nos habituar a conviver com esse horror, com as notícias diárias de assassinatos, assaltos, roubos, vandalismo e tudo o mais a eles associados como corrupção e fraudes endêmicas. Tudo capitaneado por líderes de facções do interior das prisões e penitenciárias e suas milícias nas ruas, onde as autoridades não detêm controle algum, ao contrário, parece que são coniventes com esses criminosos.
Quando decidirmos mudar essa situação, será uma luta que promete ser difícil, violenta e, certamente, de médio e a longo prazo, uma vez que terá que ser realizada dentro da legalidade. Além disso, acresce problemas de ordem estrutural como benesses à facínoras, a má gestão carcerária, da polícia civil e militar e a corrução que permeia a deterioração das falhas administrativas.
E também temos uma população desvalida do poder público e, portanto, mais afetada pela violência, que se apoia em líderes da comunidade e suas milícias por questões de sobrevivência.
Com todas essas dificuldades, provavelmente, ocorrerão verdadeiras batalhas como as que estamos acompanhando no Nordeste. Facções estão aterrorizando e vandalizando a população e o Estado não tem controle nenhum da situação, ou seja, o espaço público já foi ocupado pelo crime com tolerâncias inimagináveis.
Nisso, como ficará o seguro?
Em tese, ao menos, com o claro surgimento de opiniões contrárias do mercado do seguro, esses eventos ainda são considerados como tumultos e comoções civis os mais severos, com vandalismo e atos dolosos, costumeiramente, excluídos dos seguros de danos materiais.
As ações ora ocorrendo no Ceará, a meu ver, tem muito mais aparência de verdadeiro tumulto uma vez que existe claramente uma liderança que planeja e induz à desordem, ao estado belicoso entre lados, com consequências sérias de danos pessoais e materiais à população. O mesmo ocorre e ocorreu em inúmeros outros Estados brasileiros, inclusive São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro com abundantes queimas de ônibus e ataques a instituições.
Nessas condições como ficam segurados e o próprio posicionamento dos seguradores. No passado não muito longínquo existiam nos seguros básicos de danos materiais como incêndio, transporte e outros, cláusula adicional específica de greves, tumultos e comoção civil. Sem grandes problemas de aceitação por parte do mercado segurador e, nem tampouco, com muita demanda por parte dos segurados. Essas coberturas eram normalmente solicitadas por empresas estrangeiras operando no Brasil, com pequenas importâncias seguradas, pois, a cobertura importante era concedida pelos seguros globais ou por coberturas DIL e DIC mantidas no exterior.
Hoje em dia essas coberturas passaram a ter importância e demanda, em razão de inúmeras greves que resultaram em danos materiais significativos em grandes hidrelétricas, em refinarias, em transporte coletivos e de carga dentro e fora de comunidades, principalmente no Rio de Janeiro e nos atos de violência, crueldades e assassinatos motivados e adotados por traficantes de drogas, de armas e por milícias baseadas nas comunidades periféricas.
Vamos examinar as definições de eventos ligados a tumultos em geral, tanto como significado quanto na letra das condições de seguro. Baseando-me no dicionário Houaiss, temos os seguintes significados no contexto ora tratado:
1. Greves: cessão voluntária e coletiva de trabalho decidida por assalariados para obtenção de benefícios materiais e/ou sociais, como melhoria de condição de trabalho, direitos ou garantias de manutenção de conquistas já obtidas, ameaçados de supressão, cessão temporária e coletiva de quaisquer atividades, remunerados ou não, em protesto contra determinado ato ou situação relativa à sociedade como um todo.
2. Comoção civil: agitação, alvoroço, revolta popular, levantamento, agitação social.
3. Tumulto: explosão de rebeldia, motim, levante, desordem, estado belicoso entre lados, desavença, perturbação, desordem.
3.1 Tumultuar: incitar à revolta ou revoltar-se.
3.2 Tumultuador: quem promove tumulto, agitador, desordem, sublevador.
4. Vandalismo: ação própria do povo produzindo ruína, devastação, destruição.
5. Terrorismo: modo de impor a vontade pelo uso sistemático do terror, emprego sistemático de violência para fins políticos; prática de atentados e destruição por grupos cujo objetivo é a desorganização da sociedade existente e a tomado do poder; atitude de intolerância e de intermediação adotada pelos defensores de uma ideologia.
Apresento agora alguns comentários e definições de cobertura de seguro para guerras, tumultos e concessões civis.
No passado, existiam coberturas de danos materiais consequentes de greves, tumultos e comoções civis. Com o tempo e a evolução da sociedade e seus costumes, sutis modificações começaram a ser feitas pelo mercado segurador para limitar o âmbito das coberturas objeto do presente artigo.
No seguro marítimo prevalecem ainda, no Transporte e Casco, coberturas amplas e razoáveis de greves, tumultos, e comoções civis, inclusive coberturas previstas de Guerra, Minas e Torpedos no que concerne o transporte internacional de mercadorias, importação e exportação.
No que se refere às situações de violência que ora ocorrem no Brasil, temos nos seguros de danos materiais (Riscos Nomeados e Risco Operacional) cláusulas com cobertura de Tumultos, Greves e Lock-out. Nesse caso, a seguradora concede cobertura por perdas e danos materiais causados por atos predatórios ocorridos durante tumulto, greve ou lock-out cobrindo danos materiais diretamente causados por qualquer pessoa ou grupo de pessoas que tenha agido dolosamente.
Vamos agora às definições contidas no seguro para:
Tumultos: entende-se por tumulto a ação de pessoas com características de aglomeração que perturba a ordem pública por meio da prática de atos predatórios para cuja repressão não haja necessidade de intervenção das Forças Armadas.
Greves: paralisação de trabalho promovida por ajuntamento de três ou mais pessoas de uma mesma categoria ocupacional, empregados do segurado que provoquem a suspenção total ou parcial da atividade do estabelecimento segurado.
Agora vamos às exclusões outras contidas nas apólices e na cláusula específica de cobertura de tumultos, greves e lock-out. Exclusões contidas nas condições gerais que afetam a cobertura adicional de tumultos, na maioria das apólices de danos materiais. Além dos riscos excluídos há de verificar as cláusulas de Prejuízos não Indenizáveis e as Bens não compreendidos no Seguro:
• Fica entendido e acordado que não estarão cobertos danos e perdas causados direta ou indiretamente por ato de terrorismo, cabendo à seguradora comprovar a natureza do atentado e que este seja reconhecido como atentatório à ordem pública pela autoridade pública competente.
• Prejuízos resultantes de tumultos, greves e lock-out (cobertura disponível por condição particular).
• Atos de vandalismo, saques inclusive os ocorridos durante ou após o sinistro.
• Não estarão cobertos danos por falta de entrada de eletricidade, combustível, água, gás, vapor ou qualquer matéria prima, causado por ocorrência fora do endereço do segurado.
Exclusões principais na cobertura adicional de Tumultos, Greves e Lock-out:
• Os danos estarão excluídos se consequentes de tumulto para cuja repressão seja necessária a intermediação das Forças Armadas ou tenha sido o segurado o motivador dos eventos.
• Estarão excluídos os danos causados a vidros e os decorrentes de incêndio, explosão, roubo, furto ou apropriação indébita.
Existem mais exclusões que devem ser verificadas por corretores e segurados mas, a meu ver, as duas acima são as mais importantes.
Feitos estes comentários atrevo-me a indagar como esses seguros e essas condições se comportariam ante importantes situações que afetariam os segurados:
Situação 1: as intenções de nosso governo em relação ao endurecimento das ações de combate ao crime. Ouvimos falar que no combate ao crime o novo governo considera denominar os atos de facções e de milícias como Terrorismo, o que certamente irá impactar nas coberturas de seguro. Como as seguradoras pretendem atuar e quais as alterações necessárias, inclusive a introdução de nova nomenclatura e seu significado?
Situação 2: o apetite das seguradoras e resseguradoras em aceitar garantir riscos de tumultos, comoções civis e até terrorismo (se tais tumultos passarem a ser denominados como terrorismo) como resultado da ‘declaração de guerra” do governo ao crime organizado?
Situação 3: como agirá a SUSEP, sob nova direção, em relação a manter sua rígida intervenção na oferta e processo do produto seguro, suas cláusulas e condições. Mantida a postura liberal do novo Ministério da Economia, procurará liberar o mercado, a livre concorrência dos produtos?
Situação 4: como irá se comportar o mercado segurador em relação às coberturas de Tumultos, Comoções Civis e Vandalismo, em especial na questão da importante regulação de sinistros? Certamente, recusas de indenização irão ocorrer com a denominação e clarificação do termo Terrorismo que vier a ser dada pelo Governo às ações de tumultos, depredação do crime organizado, como se verifica agora em Fortaleza e certamente, vez ou outra, encrudesce em demais Estados.
Existirá uma clara demanda pela colocação de riscos de vandalismos, de tumultos, de comoções civis e até mesmo de greves. Por conta de 12 milhões de desempregados o risco de greve é bem menor mas não podemos esquecer a tentativa de lock-out dos caminhoneiros há pouco tempo.
É obvio, por outro lado, que o risco realmente aumentou e terá sério reflexo no custo, na aceitação e, sobretudo, nas condições de efetivas medidas de controle risco necessários à sua aceitação. É inegável, no entanto, o legítimo interesse segurável do comprador.
No entanto, julgo que simplesmente tentar transferir todo o custo consequente deste risco ao mercado segurador é injusto e bem difícil por razões óbvias. Os Governos, principalmente, o Federal e o Estadual tem clara responsabilidade por essa situação crítica em que o país se encontra, porém, o mercado de seguro tem a obrigação de esclarecer com cláusulas objetivas e coragem o que deve aceitar em matéria de risco e o que não irá assumir. Não podemos ficar nessa miscelânea de termos onde se exclui taxativamente vandalismo mas informa que garantirá danos por tumulto sem a atuação da Forças Armadas e exclui motim. E a comoção civil e terrorismo que nem mencionados são, simplesmente porque o Governo resolveu tratar de tumultos e comoções civis como atos terroristas.
Aqui entre nós, é inadiável que este assunto seja seriamente discutido, inclusive com a participação dos corretores de seguro, na solução desta pendência e na obtenção de condições sérias e de coberturas claras a um risco que é inegável e, por certo, será necessário durante longo prazo no Brasil.
São Paulo, 21 janeiro 2018