Por Antonio Penteado Mendonça
Recente pesquisa sobre a mobilidade urbana na cidade de São Paulo revelou que, nos últimos dez anos, o trânsito sofreu profundas modificações, especialmente no que diz respeito ao uso dos meios de transporte à disposição da população.
Enquanto o uso dos ônibus sofreu uma queda de 5%, no mesmo período aconteceu o aumento do uso do transporte sobre trilhos, com metrô e trem urbano ocupando parte do espaço dos ônibus.
Dado positivo da pesquisa foi a constatação de que o tempo das viagens ficou menor, mostrando, de alguma forma pouco perceptível na rotina urbana, que a fluidez do trânsito melhorou. Isso é atribuído ao aumento da malha dos trilhos e à implantação dos corredores de ônibus, além do crescimento de transportes alternativos, como a bicicleta.
Mas o dado que nos importa é o aumento do uso de taxis e veículos de aplicativos. De 2007 para cá, o crescimento do uso deste meio de transporte foi de mais de 400%.
Isso traz uma série de desdobramentos, que precisam ser corretamente analisados para dimensionar a cidade e, tão importante quanto, garantir a segurança dos usuários e da população em geral.
O uso dos aplicativos é relativamente recente, mas já representa três vezes mais viagens do que as realizadas pelos taxis convencionais. E é aí que mora um problema que pode ter consequências graves. O número de pessoas que atualmente trabalham como motoristas de veículos de aplicativo ultrapassou várias vezes o número de taxistas. Esse crescimento explica em parte a invasão de carros com placas de Belo Horizonte que tomaram a cidade de assalto, como se a capital mineira houvesse mudado de endereço.
Boa parte deles não tem muita experiência na direção, tendo ingressado no negócio por causa da crise que mantém treze milhões de brasileiros desempregados. Na falta de um emprego, a solução para ganhar o pão nosso de cada dia é ser motorista cadastrado nos aplicativos de transporte de passageiros. E a forma de viabilizar a entrada no mercado é a locação de longo prazo, que se mostra mais interessante do que um financiamento para comprar um bem que, em pouco tempo, terá perdido parte importante de seu valor.
O aumento do uso de taxis e veículos de aplicativos puxa com ele o aumento do número de motoristas e, consequentemente, o número de acidentes. Quem é o responsável pelo pagamento das indenizações? O motorista, o aplicativo ou a locadora do veículo?
O motorista é o causador direto do dano, portanto ele responde inclusive penalmente por seus atos. Todavia, o motorista só realizou a corrida porque foi acionado por um aplicativo, que foi acionado pelo passageiro. A relação do passageiro é com o aplicativo, que é inclusive quem recebe pela corrida.
Finalmente, a locadora do veículo é a proprietária do bem. Assim, até que ponto ela pode se isentar da responsabilidade de responder pelos danos que alguém venha a sofrer por conta de um acidente causado por um veículo de sua propriedade locado para ser utilizado como carro de aplicativo?
Dentro da visão “consumerista” que boa parte do Judiciário tem adotado ao longo dos anos, o motorista, o aplicativo e a locadora podem ser chamados para responder pelos danos decorrentes do acidente. Será que algum deles tem seguro para fazer frente aos prejuízos corporais, patrimoniais e morais que um acidente de trânsito pode causar?
Ninguém sabe. Pode ser que sim, pode ser que não. Ninguém nunca ouviu falar do seguro da empresa de aplicativo. As locadoras costumam oferecer proteção para os veículos locados, mas isso é comum nas locações de prazo curto. Será que as locações de longo prazo seguem a mesma regra? E os motoristas, quantos deles se preocupam em contratar seguros para indenizar as vítimas de acidentes em que têm culpa?
É mais do que tempo de se votar uma lei tornando obrigatório seguro com capitais mínimos suficientes para fazer frente a estes riscos, tanto para taxis, como pare veículos de aplicativos. O risco é real e cobra seu preço todos os dias. Apenas o DPVAT é pouco para fazer frente ao valor das indenizações.
Fonte: O Estado de São Paulo, em 11.03.2019.