Por Antonio Penteado Mendonça
Pelo profissionalismo, pelo padrão ético, pela competência e pelo exemplo, o jornalista Ricardo Boechat não poderia morrer, pelo menos agora. Sua morte abre um claro insubstituível na imprensa brasileira, que vive forte crise de identidade, além da queda vertiginosa do faturamento das empresas.
Sua morte num acidente aéreo, quando retornava de helicóptero para São Paulo, depois de proferir uma palestra em Campinas, mostra com toda sua crueldade a absoluta indiferença do destino quanto à relevância das pessoas. Pessoas boas morrem antes da hora ou passam dificuldades de todas as ordens, enquanto pessoas más vivem anos a fio, na fartura e felizes, até chegar o momento de sair de cena, muitas vezes com pouco sofrimento.
É assim porque é assim. A pessoa sai de casa, tropeça, bate a cabeça na guia da calçada e morre. Ou entra num helicóptero com a documentação em ordem, para um voo de poucos minutos, que sofre uma pane, tenta um pouso de emergência numa estrada, bate num caminhão, pega fogo e os tripulantes morrem.
A imprevisibilidade faz parte do ritmo do mundo. É justamente a aleatoriedade que serve de base para a operação de seguros. Não é possível contratar seguro para um evento que acontecerá com certeza. A certeza tira a possibilidade do uso da atuária e das estatísticas para calcular a probabilidade da ocorrência de um evento.
A regra vale inclusive para os seguros de vida, nos quais a morte é certa, mas a impossibilidade de determinar o momento da sua ocorrência mantém inalterada a aleatoriedade sobre a qual o risco é aceito e o prêmio calculado.
Não existe risco ruim, existe seguro mal aceito. Se o risco oferecido é corretamente avaliado e dimensionado pela seguradora, então ela terá sucesso e ganhará dinheiro com o negócio, mesmo se tiver que pagar a indenização.
É preciso se ter claro que uma seguradora aceita um risco e cumpre o contrato de acordo com as informações prestadas pelo segurado e com as cláusulas e condições da apólice. Se as informações estiverem incorretas e interferirem no preço do seguro ou nas condições de cobertura, a lei garante à seguradora o direito de não pagar a indenização e ainda cobrar o preço do seguro.
Um seguro de helicóptero é um seguro complexo, como todo seguro aeronáutico. Apesar de poder ser emitido numa única apólice, ele apresenta a possibilidade do segurado contratar duas coberturas, uma obrigatória, chamada RETA, e uma facultativa, que é contratada em excesso dos valores do seguro obrigatório.
Por serem dois seguros distintos, não é impositivo que a seguradora, por ter pago a indenização do seguro obrigatório, tenha que pagar também a indenização do seguro facultativo. Em algumas situações, as duas indenizações serão devidas, em outras, apenas a obrigatória e em outras, nenhuma das duas.
Cada seguro é contratado de forma única, para um risco único, por um segurado único. Quer dizer, o que é semelhante raramente é igual. Assim, os helicópteros são aparelhos semelhantes, mas, em função do modelo, uso, manutenção, informações prestadas e garantias pretendidas, não são iguais, pelo menos para efeito de seguro.
O seguro de um helicóptero vai sempre levar em conta, em qualquer situação, a homologação da aeronave. Em que situações e para que ele está autorizado a voar. Existem aparelhos que podem voar por instrumentos, outros só podem voar no visual. Uns tem uma turbina, outros duas. Uns podem ter apenas um piloto, outro devem, obrigatoriamente, ter dois.
Estas informações estão na base da aceitação do risco e, a não ser que a seguradora expressamente concorde em fazer o seguro em desacordo com a autorização legal, o uso indevido da aeronave para atividade diferente da prevista em sua homologação permite que seguradora negue a indenização.
A conclusão das investigações das causas do acidente e o laudo final são fundamentais para a definição da existência ou não da cobertura do seguro. Muitas vezes, o que parece que não tem cobertura está coberto, enquanto em outras, o que parece coberto pode acabar sem indenização.
Fonte: O Estado de São Paulo, em 18.02.2019.