Por Gloria Faria (*)
Conversando com meu irmão sobre um episódio da nossa infância fiquei pasma ao constatar a enorme a diferença de percepção que a mesma experiência surtiu em nós. Resolvi, então, indagar meus filhos sobre lembranças de brincadeiras. Novamente a surpresa. Enquanto um se lembrava de muitas no ambiente familiar o outro tinha muito mais memórias de brincadeiras de rua com os amiguinhos.
A esta altura vocês devem estar se perguntando, onde é que isto vai parar? Já adianto o final. Este texto pretende convidar os leitores a refletir sobre o paradoxo de um mesmo fato ou experiência ser “sentido” ou “lido” de formas diferentes por duas ou mais pessoas.
Sempre me intrigou o aparente “curto circuito” que ocorre em relação às informações sobre variados seguros, vez ou outra, prejudicando nossas relações com os consumidores. Parece-me importante esmiuçar a real origem da dificuldade que, após inúmeras pesquisas, campanhas de marketing e empenho na busca da clareza, ainda enfrentamos para nos fazer entender. Bom exemplo é o das exclusões e limites das coberturas do seguro que muitas vezes parecem nunca terem sido do conhecimento do segurado até ter sua pretensão de indenização ou recebimento de quantia contratada, recusada no total ou em parte, por tratarem de prejuízos, lesões ou perdas EXCLUÍDAS no contrato ou fora do limite DAS COBERTURAS previstas.
O que impede a plena compreensão pelo segurado da proteção securitária que contratou? Afinal, da apólice constam todos os dados da cobertura contratada. Porque as dúvidas sobre o quê, o quanto e quando estão aptos a pleitear e receber uma indenização, ou outro tipo de proteção securitária?
Iniciemos pelo mais básico, o objeto do contrato, os riscos cobertos, portanto, as coberturas que foram contratadas. Fazendo uma analogia simplificadora, porém, ainda assim válida, se um consumidor vai a uma loja ou entra em um site e compra uma geladeira, ele sabe muito bem, não só o que comprou, mas o que receberá: uma geladeira, de tal marca, tamanho e cubagem. Aparentemente o consumidor de seguros, por razões que vão desde uma – possível - informação insuficiente, até algumas expectativas fantasiosas, não sabe tudo sobre o seguro que contratou. Desconhece os limites da cobertura ou as circunstâncias do quê e quanto irá receber ou, ainda, quando poderá fazer jus à indenização.
O que é aparentemente óbvio na aquisição de um bem tangível, nem sempre o é na compra de um seguro. A visibilidade do bem concreto já fala por si de suas qualidades e, portanto, exibe o que é e como é.
A compra de um seguro não trata em momento algum de aparências. A proteção do bem se “materializa” na declaração das características do risco e nas coberturas que a apólice – o contrato – garante.
Em um contrato de seguro o que não está previsto, o que não consta da apólice, não está contratado e, portanto, não está coberto.
Para além da ausência de menção a fato ou dano cobertos, a regulação do setor exige que conste do contrato, para melhor clareza, as exclusõesque, por uma interpretação inadequada, poderiam ser consideradas fatos ou danos cobertos. Assim, as exclusões, dentro do limite razoável, devem constar explicitamente da apólice.
Seguindo o referido raciocínio, um seguro de automóvel que tenha cobertura contra roubo, danos por colisão, roubo e incêndio, responsabilidade civil contra terceiros, com as coberturas listadas e seus valores correspondentes na formação do preço total explicitados, ainda assim, deverá trazer, obrigatoriamente, na apólice, a menção de que não cobre danos morais.
A obrigatoriedade imposta pelo regulador – no caso a SUSEP – de constarem do contrato ou apólice de seguro os riscos excluídos, portanto, aqueles que NÃO ESTÃO COBERTOS, é relativamente recente e decorre, exatamente, da atitude de segurados que sentindo-se frustrados na sua equivocada expectativa de ressarcimento ou indenização, mesmo após esclarecimentos das empresas e suas ouvidorias, e muitas vezes da própria SUSEP, levam a Juízo suas pretensões.
Desconsiderando-se hipótese em que ocorreu algum erro por parte da empresa contratada, muitas vezes o segurado apenas não entendeu que só vale o que está previsto e escrito.
É inegável que alguns termos do tão execrado segurês podem não traduzir bem o seu significado como no caso das palavras prêmio, sinistro, salvados e outras. Entretanto, o glossário que consta dos contratos e apólices traz a “tradução” dos termos mais “estranhos”, suprindo essa suposta falha.
Creio firmemente que, assim como em muitos bens e serviços cuja venda é acompanhada de manuais de utilização e recomendações nunca abertos pelos compradores, os consumidores de seguro não têm o hábito de ler todos os termos das apólices e assim, muitas vezes ignoram detalhes importantes sobre o que contrataram.
Antes da construção de um novo vocabulário que venha a substituir os termos do segurês, coisa que até hoje continua em estudos mas, ainda não implementada nos demais países, é importante entender o porquê da resistência dos segurados para uma melhor compreensão dos contratos de seguro.
Atualmente, uma grande quantidade de termos e siglas é diariamente incorporada ao vocabulário dos que frequentam a internet e seus aplicativos. Mesmo sendo grande parte constituída de palavras e siglas na língua inglesa, sua absorção pelos usuários é rápida e sem traumas. Em pouco tempo passam a ser utilizadas com familiaridade por um público multi geracional e de extrato sócio econômico diverso.
Por que será que os usuários de internet, redes sociais e aplicativos se familiarizam tão rapidamente com uma profusão de palavras estrangeiras, estranhas ao nosso idioma e que se renovam sem parar? Por que o mesmo não ocorre com termos repetidamente utilizados no seguro há décadas, para não dizer séculos, em número que pouco se expandiu e é razoavelmente restrito?
É certo que jogos, bate-papos e notícias são muito mais divertidos que a compra de um seguro. Despertam o interesse, desafiam a rotina diária, servem de brinquedo e fuga para aliviar a tensão das preocupações cotidianas.
Será este o facilitador determinante da compreensão e do aprendizado?
Indiscutivelmente, o interesse é um bom indutor. Entretanto, ainda que um produto desperte grande interesse no consumidor, levando-o a adquiri-lo, não é regra que após a compra ele venha a se informar sobre os detalhes de seu uso ou manutenção. É o caso, até mesmo, dos automóveis, quando, raramente, o comprador lê o manual que o acompanha, restringindo-se às informações do vendedor e do folheto de publicidade, lido na internet ou na agência durante a compra.
O seguro – no imaginário popular - é para ser comprado e guardado na gaveta até a ocorrência do risco, o momento do infortúnio, da colisão com o carro, da casa destelhada pelo vendaval, do incêndio na fábrica. E é somente então que a proteção, a segurança da reposição das perdas com acidentes, dos prejuízos que corroeram o patrimônio e mesmo da qualidade de vida e da saúde está ameaçada, que a maioria dos segurados vai checar ou tomar conhecimento da real extensão das limitações de cobertura constantes do contrato/apólice. Muitas vezes com surpresas boas e, outras tantas, frustrantes.
O desejo e o otimismo, vieses psicológicos nossos, podem muitas vezes criar expectativas que se distanciam da realidade.
A intermediação do corretor de seguros é importante para esclarecer dúvidas e detalhes sobre o produto escolhido ou oferecido ao seu cliente. Faz parte de sua expertise e de seu papel de consultor, inclusive, adiantar-se quanto a esclarecimentos sobre as exclusões de cobertura no contrato/apólice que, ignoradas e desconhecidas, podem levar a eventuais conflitos quando da regulação do sinistro.
As empresas, por sua vez, devem buscar, consistentemente, o aperfeiçoamento da sua comunicação com o consumidor e a maior clareza possível na transmissão da informação adequada e correta sobre seus produtos.
Mais que a mudança da nomenclatura de termos técnicos - que podem ser esclarecidos em uma nota de rodapé - há todo um trabalho a ser feito para a aceitação no imaginário coletivo do seguro como agente eficaz de proteção do patrimônio individual e coletivo. Sobretudo em tempos em que a incerteza é a única certeza, o seguro reveste-se de ainda maior utilidade para todos.
A Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização – CNseg - tem dentre suas prioridades a disseminação da cultura do seguro e muitos foram os investimentos e as ações por ela desenvolvidos neste ano de 2018. A discussão sobre novos produtos mais inclusivos, novas formas de comercialização, inovação, cyber risks, insurtechs, direito do seguro e do consumidor, saúde suplementar e previdência privada contou com a empenho e a presença constantes dos representantes da CNseg, inclusive de seu presidente, que mantém proximidade constante como interlocutor direto com a mídia.
A Rádio CNseg, com agenda semanal de entrevistas com profissionais do mercado e especialistas de outros setores correlatos, tem seus programas veiculados não só no site e no portal da Confederação mas, também, em rádios de todo o Brasil. Neles já foram tratados muitos temas de interesse geral. Os livretos de Educação em Seguros, hoje já com 12 temas publicados [1], são fonte de informação clara e direta sobre as atividades e a operação do setor. Os textos editados possuem vocabulário claro e acessível no intuito de tornar mais fácil para o consumidor a escolha de um seguro, plano de previdência ou título de capitalização, conforme o seu interesse e necessidade.
Por fim, a tecnologia e a inovação mudaram sensivelmente a vida de todos e hoje contamos com produtos e serviços inimagináveis há poucas décadas. Também o setor de seguros foi atingido pela onda digital e novas formas de contratação e mesmo novos produtos surgiram e estão sendo comercializados com boa recepção por parte do consumidor.
Seria cabível acreditarmos que a utilização de novas tecnologias para comercialização e subscrição de produtos ou então a mudança de nomenclatura do setor, por si só, cada uma, seria capaz de atender às dúvidas que muitos segurados demonstram na hora da efetiva utilização do seguro adquirido?
Nem tanto ao mar, nem tanto a terra!
Neutralizar ou alterar fatores psicológicos e culturais e influenciar o imaginário coletivo não é tarefa nem rápida nem simples. Demandam ações múltiplas e complexas. A oferta da melhor e a mais clara informação é vital para a melhor compreensão do seguro, sem deixar de lado as ações de educação financeira voltadas especificamente para o setor parecem o caminho mais adequado.
Se a informação é considerada o novo petróleo, que ela seja o combustível das mudanças que levarão ao lugar que merece no pódium da economia nacional, a exemplo de outros países onde esta corrida está (quase) ganha.
[1] Estão previstos 36 livretos.
(*) Glória Faria é Consultora Jurídica da CNseg.
(07.12.2018)