Por Antonio Penteado Mendonça
Deixando de lado qualquer achismo, tendência política, interpretação de tarô ou o que inventarem, a única coisa que pode ser dita, sem medo de errar, a respeito da decisão dos integrantes do CNSP (Conselho Nacional de Seguros Privados) do governo anterior, reduzindo o preço do seguro DPVAT (seguro obrigatório de veículos automotores terrestres), é que se trata de um erro monumental.
Esse erro pode também ser chamado de falta de sensibilidade social ou, o que é ainda pior, falta de conhecimento ou interesse pela realidade brasileira. Ao reduzir pelo terceiro ano seguido o preço do seguro, em absoluto enfrentamento de todas as análises, reivindicações e posições da maioria dos agentes do setor de seguros, o CNSP prestou dois enormes desserviços à população brasileira. O primeiro foi retirar da dotação do Ministério da Saúde mais de três bilhões e cem milhões de reais por ano. E o segundo, não permitir que os valores das indenizações atendam satisfatoriamente as necessidades mínimas das vítimas dos acidentes de trânsito.
Antes de entrar no tamanho do estrago causado por uma medida sem qualquer lógica social, é importante lembrar que o DPVAT paga mais de quarenta e três mil indenizações por morte, mais de duzentas mil indenizações por invalidez permanente e um número muito maior de atendimentos médicos hospitalares, todos os anos.
São os generosos frutos dos acidentes acontecidos nas ruas e rodovias nacionais, que nos colocam entre os campeões mundiais de mortes causadas pelo trânsito.
Como nem todas as indenizações devidas são reclamadas, pode-se dizer sem exagero que o Brasil tem mais de cinquenta mil mortes anuais causadas pelos acidentes de trânsito. E os arrimos da imensa maioria das vítimas dessa tragédia são os hospitais da rede pública e o seguro DPVAT.
Foi justamente aí que os integrantes do CNSP, no final do ano passado, decidiram descer o martelo. Ao reduzir o preço do seguro, numa ação que premia o assassino e pune a vítima, eles mantiveram o capital segurado das indenizações em treze mil e quinhentos reais, valor que há mais de dez anos não é reajustado, apesar da inflação do período. E, pior, retiraram do orçamento da saúde pública mais de três bilhões e cem milhões de reais, que fazem falta para garantir um atendimento digno aos mais de cento e cinquenta milhões de brasileiros que dependem do SUS.
Para dar uma ideia do que é isso, o orçamento da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, um dos principais hospitais que atendem o SUS, para 2019, não chega a um bilhão de reais. E seus hospitais atendem mais de dois milhões de pessoas todos os anos. Quer dizer, o CNSP cortou verbas suficientes para custear integralmente três Santas Casas de São Paulo, ou mais de um e meio Hospital das Clínicas.
Na outra ponta, atingiu mais uma vez, diretamente, o futuro das famílias das centenas de milhares de pessoas anualmente vitimadas pelos acidentes de trânsito no país.
A proposta que fazia sentido era manter o preço do seguro e aumentar a importância segurada de morte e invalidez permanente total para vinte e cinco mil reais, ou quase o dobro dos valores atuais. Mas não foi isso o que aconteceu.
Como se não bastasse, a redução do preço terá impacto futuro nas reservas para fazer frente aos sinistros, podendo inclusive desequilibrar a saúde financeira da Seguradora Líder do seguro DPVAT.
Com o preço atualmente em vigor ela será obrigada a, em pouco tempo, entrar nas reservas já constituídas para indenizar os sinistros acontecidos e assim poder fazer frente aos sinistros e indenizações a acontecer, cujas provisões serão feitas com base em valores nitidamente insuficientes.
Se nós precisávamos um exemplo de perde-perde onde todos os lados perderão muito, a decisão do CNSP é paradigmática. Ela é perfeita, dentro da dimensão nacional do estrago que a previdência pública e privada e a saúde pública acabam de sofrer.
O que está em jogo não é a hipotética má-gestão de um seguro, o que está em jogo é o futuro imediato de perto de trezentas mil pessoas por ano.
Fonte: O Estado de São Paulo, em 21.01.2019.