Por Antonio Penteado Mendonça
A ruptura da barragem de Brumadinho tem começo, meio e fim. Apenas afirmar agora que aconteceu por isso ou por aquilo é prematuro, até porque o mais importante, já que não há mais probabilidade de se encontrar pessoas vivas, é resgatar os corpos das vítimas e permitir que as famílias possam ao menos sepultar seus entes queridos.
As imagens da destruição física, das pessoas sendo retiradas da lama, dos corpos sendo transportados, dos bombeiros e demais envolvidos nas operações de resgate trabalhando incessantemente, às vezes colocando suas esperanças na capacidade dos cães encontrem um corpo, são mais do que dramáticas. Elas espelham o horror que os grandes cataclismos causam nos seres humanos, impotentes diante da força de eventos fora de controle e muito maiores do que nós.
Brumadinho acontece poucos anos depois da ruptura da barragem de Mariana e, ainda que respeitadas as diferenças e tipicidades dos dois acidentes, tem na sua origem uma mesma empresa – a Vale, uma das maiores mineradoras do mundo, fundamental para o Brasil, grande empregadora, uma das maiores pagadoras de impostos do país, indispensável para a viabilidade e funcionamento de vários municípios, tida como exemplo de profissionalismo e competência, mesmo em comparações com as grandes empresas internacionais.
As consequências da ruptura da barragem – que não pode ser vista a priori como uma ação deliberada ou pretendida pela empresa e seus executivos – vão além do horror, da compaixão e da solidariedade gerados pelas imagens. Entram no campo do direito, da economia, da proteção ao meio ambiente, da moral e da ética social. Entram no campo da reparação dos danos e da apuração das responsabilidades. Entram, consequentemente, nos seguros contratados e na responsabilidade das seguradoras.
A responsabilidade das seguradoras não é, em hipótese alguma, a responsabilidade do segurado. Mesmo que o sinistro tenha cobertura na apólice e a seguradora indenize, a responsabilidade pelo dano é intransferível e permanece integralmente com o responsável por ele.
No acidente de Brumadinho existem diferentes tipos de danos e, consequentemente, diferentes responsabilidades, com certeza no campo civil e, eventualmente, no campo penal.
A primeira destas responsabilidades compreende os danos corporais, ou seja, os danos causados ao corpo humano, inclusive a morte. Com certeza, a apólice de seguro de vida em grupo da Vale em favor de seus funcionários deve ter sido acionada e, em função de suas características, as indenizações por morte natural e morte acidental deverão ser pagas rapidamente.
Além da apólice da Vale, é possível que existam outras apólices de seguros de vida, que também deverão ter rápido trâmite até o pagamento das indenizações.
Os danos materiais sofridos por terceiros devem ser rapidamente enfrentados já que não faz sentido que quem já foi violentamente abalado pela tragédia continue sendo penalizado pela impossibilidade da reposição física de parte de seu patrimônio.
A parte afetiva e a história das pessoas não são resgatáveis com o pagamento de uma indenização de seguro. Mas, mesmo assim, devem ser incluídas e precificadas, tanto nos casos de morte e invalidez, como nas perdas materiais, na categoria dos danos morais.
Na sequência, dada a relevância social, os danos ao meio ambiente devem ser considerados e precificados, já que, no caso, o derrame de 12 milhões de metros cúbicos de dejetos terá impacto significativo no futuro das áreas atingidas e no valor total das indenizações.
É necessário elencar, no universo dos seguros, os danos à própria barragem que foi destruída em função de sua ruptura.
Finalmente, é indispensável equacionar a responsabilidade civil dos administradores da empresa no que tange aos danos causados à própria empresa, aos acionistas e a terceiros em geral por ação ou omissão em função de atos de gestão.
Todos estes danos, em princípio, estão cobertos por apólices de seguros contratadas pela Vale. Se as coberturas e os valores são adequados é outra questão.
Fonte: O Estado de São Paulo, em 04.02.2019.