Por Antonio Penteado Mendonça
Os acidentes de Mariana e Brumadinho deixaram claro que a Vale é um problema. Para complicar, ela ainda tem outras barragens que foram construídas com a mesma técnica empregada nas barragens que cederam. A companhia garante que vai descomissionar essas barragens e já apresentou, inclusive, um plano para isso. A Vale garante que em três anos elas estarão completamente neutralizadas, através da utilização de diferentes técnicas que reduzirão seu risco para zero.
É importante salientar que o fato de uma barragem ser construída seguindo este ou aquele método, apenas por isso, não é um risco potencial. Ou é, como toda barragem o é, mas não implica em que seja necessariamente maior ou mais grave ou mesmo que tenha maior probabilidade de ocorrer um acidente.
O mais importante para evitar uma ruptura ou vazamento são as providências para conservação, funcionamento e monitoramento da barragem, tanto faz a técnica de engenharia empregada.
Se não fosse assim, barragens como Ilha Solteira, Jupiá e Itaipu deveriam ser imediatamente desativadas. Elas foram construídas entre as décadas de 1960 e 1980, portanto, depois delas surgiram novas técnicas de construção de barragens que, em teoria, as fazem ultrapassadas, já que atualmente não seriam construídas como o foram.
Se idade fosse referencial para desativar equipamentos e instalações, os bombardeiros B52, da Força Aérea Norte-americana deveriam ter sido desativados há décadas. Afinal, eles voam desde os anos 1950. Mas, ao contrário disso, devem seguir em serviço por mais vários anos.
As barragens em si não são o grande problema. O nó se materializa na falta de manutenção, nas reformas fora das especificações, no uso indevido, na extrapolação da capacidade, na falta de monitoramento e até no abandono da instalação, como acontece com várias barragens espalhadas pelo território brasileiro.
Neste cenário, a Vale é o menor dos problemas, até porque dificilmente a companhia sobreviveria a um terceiro acidente. Este é o melhor argumento para que seus administradores e técnicos tomem todas as providências indispensáveis para que suas barragens não causem mais nenhum dano de monta.
Fora da Vale, o Brasil tem mais de vinte e quatro mil barragens de alguma forma documentadas. São obras de engenharia que variam de uma Itaipu até um açude de fazenda. E ninguém sabe qual o estado da imensa maioria delas. Ou seja, o risco de acidentes continuarem ocorrendo é muito grande.
É verdade que a maioria não tem o tamanho das grandes barragens nacionais, mas o fato de grande parte não ter potencial para causar danos comparáveis a Brumadinho não significa que, no caso de seu rompimento, não sejam capazes de matar dezenas de pessoas e destruir o que se encontra a jusante.
Logo depois da tragédia em Minas Gerais, o Governo anunciou que realizará vistorias em pouco mais de três mil barragens. É um número patético diante das mais de vinte quatro mil espalhadas pelo Brasil. Além disso, não há prazo para o início dos trabalhos, para a apresentação dos resultados e, consequentemente, para a adoção das medidas indispensáveis para que os riscos de ruptura sejam efetivamente mitigados.
Em outras palavras, a população brasileira está sujeita a acidentes com potencial de danos muito maiores do que os verificados em Mariana e Brumadinho. Basta que uma represa próxima de uma área densamente povoada sofra um acidente de monta para milhares de pessoas perderem a vida.
Nem se diga que isto não é possível. Poucos anos atrás, moradores de áreas a jusante de barragens no Estado de São Paulo tiveram suas propriedades inundadas pela abertura das comportas para manter o nível da represa em patamares seguros.
Mas se o cenário está longe de ser confortável, o quadro fica mais grave quando se sabe que a imensa maioria dessas barragens, ou dos responsáveis por elas, não tem qualquer tipo de seguro que minimize os impactos que um vazamento de água ou qualquer outro produto possa causar à população, à região e ao meio ambiente.
Fonte: O Estado de São Paulo, em 11.02.2019.