Por Voltaire Marensi (*)
No final do ano passado escrevi sobre a Medida Provisória 905 e a Lei Complementar 95. Quero, hoje, tecer algumas breves considerações sobre esta medida provisória que extinguiu a profissão do corretor de seguros já que sua previsão legal – DA CORRETAGEM -, encontra-se subsumida em nosso atual Código Civil em seus artigos 722 a 729, vale dizer, no Capítulo XIII, do Título V, DOS CONTRATOS EM GERAL. (Código Civil em vigor).
No Código Civil anterior de 1916, conhecido como Código Bevilacqua, a profissão de corretor não existia, assim como inexistiam outros institutos jurídicos próximos aquele a exemplo do contrato de Agência e Distribuição, artigos 710 a 721 e do contrato de Transporte, previstos nos artigos 730 a 756 do atual Código Civil.
É verdade, que o contrato de coisas se encontra corporificado em nosso vetusto Código Comercial de 1850 (art. 100 e seguintes, também revogado). Atualmente, em verdade, na parte do contrato de seguro só vige o seguro marítimo Aliás, este Código também, em um todo, está sendo palco de uma profunda reforma em tramitação no Congresso Nacional.
No entanto, a medida provisória em tela só acabou com a figura do corretor de seguros ao estabelecer, literalmente, no inciso IV de seu artigo 51 a revogação de vários dispositivos do Decreto-Lei nº 73, de 21 de novembro de 1966, que tratavam daquela profissão, vale dizer, do corretor de seguros. Faço esta breve digressão para levar adiante minha inconformidade, data vênia, com a recente medida provisória 905, de 11 de novembro de 2019, que instituiu o Contrato de Trabalho denominado de Verde e Amarelo e deu outras providências.
Acontece, como ressaltei alhures, no bojo dessa medida provisória estão contidas inúmeras leis dos mais diversos conteúdos que desprezam técnicas de elaboração, redação e alteração de leis previstas como, de lege lata, é profundamente destacado no Capítulo II, Seção I, que cuida da Estruturação das leis, inserto na Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, com suas posteriores modificações.
Não advogo nestas minhas ligeiras reflexões a validade, ou não, das empresas denominadas de autorreguladoras, que o Prof. Gustavo Cunha Mello, da área de Gestão de Riscos e Seguros, de uma maneira exaustiva enfatizou, em vídeo, que circulou na mídia, sua funcionalidade assim como ressaltou à exaustão a extinção da profissão do corretor de seguros enumerando uma série de fatores e circunstâncias que “sepultam” estes conhecidos e conceituados profissionais desta área de atuação.
A perplexidade que me assola diz respeito ao fato de acabar com uma área de atividade que continua presente em nossa legislação, a saber, lato senso: o corretor. Este instituto jurídico continua vigendo com todas as letras em nossa lei material.
Diz o artigo 722 do nosso Código Civil: “ Pelo contrato de corretagem, uma pessoa, não ligada a outra em virtude de mandato, de prestação de serviços ou por qualquer relação de dependência, obriga-se a obter para a segunda um ou mais negócios, conforme as instruções recebidas”. Destarte, logo assoma creio eu ao pensamento de nosso leitor, o exemplo do corretor de imóveis que faz a intermediação da compra e venda de um bem de raiz, sem beneficiar o comprador ou o vendedor, mas, sim, em sintonia com os interessados levando a bom termo o estipulado pelos contratantes.
Quid juris o corretor de seguros que, malgrada a extremada parcimônia como é tratada a responsabilidade civil em nosso ordenamento jurídico, ato contínuo ao dispositivo supra citado sentencia: “ O corretor é obrigado a executar a mediação com a diligência e prudência que o negócio requer, prestando ao cliente, espontaneamente, todas as informações sobre o andamento dos negócios; deve, ainda sob pena de responder por perdas e danos, prestar ao cliente todos os esclarecimentos que estiverem ao seu alcance, acerca da segurança ou risco do negócio, das alterações de valores e do mais que possa influir nos resultados da incumbência” (Vide, artigo 723 do nosso Código Civil).
A pergunta então é óbvia: Qual o motivo que perpassa a qualquer leitor que levou esta medida provisória à extinção do corretor de seguros? Interesse comercial? A ideia exclusiva de lucro de uma casta a ser constituída no decorrer das negociações? Má fiscalização do órgão punitivo? Insegurança de alguma das partes no decurso da relação contratual? Fraude em número exagerado de casos? Mobilização de alguns segmentos interessados nesta seara?
Qualquer que tenha sido, hipoteticamente, o motivo não é simplesmente a extinção de uma classe sem que se revogue, a meu sentir, por inteiro, o instituto jurídico, sob pena de se levar a uma flagrante e absurda ilegalidade objeto de uma ação consentânea com o princípio da equidade e da justiça. Ou em palavras de ordem pragmática: se se pode o todo, porque não se pode a parte deste todo?
Além de tudo a própria Lei 4.594, de 29 de dezembro de 1964, que regula a profissão do corretor de seguros foi revogada pela MP 905/19.
Até porque, caros leitores, ao fim e ao cabo, estamos na presença de uma medida provisória que pode ou não ser aprovado, sem se olvidar o que dispõe o parágrafo 11 plasmado no artigo 62 da Carta Política que diz: “ Não editado o decreto legislativo a que se refere o § 3º até sessenta dias após a rejeição ou perda de eficácia de medida provisória, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas. ”
Não é um argumento ad terrorem, mas é um fato com consequência jurígena.
É o que penso, sob censura.
(*) Voltaire Marensi é advogado de Franco Advogados.