A validade e eficácia da cláusula de PGR - Programa de Gerenciamento de Risco – em seguro de transporte é um tema muito importante na operação das transportadoras quando da ocorrência do sinistro e a discussão quanto a exigibilidade das coberturas contratadas.
O PGR consiste em um conjunto de medidas operacionais e tecnológicas com objetivo de reduzir os riscos inerentes da operação de transporte de carga e a partir das ações preventivas contra a ocorrência de sinistros e, no caso da sua ocorrência, medidas atenuantes das perdas e suas consequências financeiras para as partes.
Na doutrina especializada, ela é assim conceituada:
“(...) as medidas do plano gerenciamento de risco (PGR) são compostas por um conjunto de medidas preventivas que tem o objetivo de impedir/diminuir as perdas materiais, financeiras e humanas aos quais as empresas são expostas nas operações de logística do transporte de cargas, meio este tão necessário ao País” (DUARTE, Gustavo; RODRIGUES, Ana. A importância do plano de gerenciamento de risco no seguro de transporte rodoviário de cargas como instrumento de combate ao roubo. In: GOLDBERG, Ilan; JUNQUEIRA, Thiago (coord.). TEMAS ATUAIS DE DIREITO DOS SEGUROS: Tomo II – São Paulo : Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 626-630).
A gestão eficaz do risco do sinistro e/ou suas consequências por meio do PGR resulta na redução dos prêmios dos seguros por contornar a alta sinistralidade de roubo/carga permitindo na continuidade da operação da transportadora, atenuando o impacto financeiro de perdas para embarcadores e equilíbrio do risco financeiro das seguradoras expostas à sinistralidade.
A problemática jurídica se instala, contudo, a partir da perda do direito da cobertura securitária quando há o descumprimento do PGR pela transportadora segurada configurando o agravamento intencional do risco a partir da regra do art. 768 do Código Civil, que fixa que o “segurador perderá o direito à garantia se agravar intencionalmente o risco objeto do contrato.”
A prestação de informação, a cooperação contratual e a ética negocial são deveres conexos da boa-fé objetivo e, portanto, plenamente exigidas em todas as relações jurídicas. Em direito dos seguros, o artigo 765 do Código Civil exige que o segurado e o segurador tenham obrigação de “guardar na conclusão e na execução do seguro a mais estrita boa-fé”; o artigo 766 também do Código Civil obriga as partes, especialmente, do segurado em prestar com veracidade todas as informações necessárias para conhecimento do risco, sua aceitação e, principalmente, sua precificação e o artigo 769 diz ser que o segurado é obrigado a informar o segurado de forma imediata à sua ciência “todo incidente suscetível de agravar consideravelmente o risco [...] sob pena de perder o direito à garantia.”
Neste sentido, o cuidado do segurado com o risco garantido na apólice sob responsabilidade financeira da seguradora é o ponto central de equilíbrio e viabilidade da operação securitária, encaixando-se assim nesta gestão do risco a adoção do Programa de Gerenciamento de Risco – PGR – na apólice de transporte.
A partir desta estrutura técnica de logística do PGR e das exigências legais aplicáveis ao contrato de seguro é que muito se debate a validade e eficácia contratual da cláusula de PGR, uma vez que ela tem como consequência da sua inobservância a perda do direito à garantia ou até mesmo perda da indenização em casa de sinistro.
Neste aspecto, o Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, da 3ª Turma do STJ, no julgamento do REsp n. 2.063.143/SC fixou entendimento de plena validade e eficácia da cláusula da PGR na apólice de seguro de transporte, especialmente, por se tratar de declaração autônoma de vontade entre as partes e não se tratando, de forma alguma, de renúncia antecipada de direito, ou seja, a observância da cláusula PGR não é facultativa, mas sim obrigatória quem a contrata:
“(...) a cláusula securitária que prevê a adoção pela transportadora de Plano de Gerenciamento de Riscos revela-se idônea, não sendo uma disposição contraditória ao contrato, tampouco consiste em renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio (arts. 423 e 424 do CC), até porque, como cediço, os negócios celebrados entre sociedades empresárias são caracterizados pelo risco e regulados pela lógica da livre concorrência, prevalecendo nesses ajustes, em regra, a autonomia da vontade e o princípio pacta sunt servanda.” (STJ – 3ª T., REsp n. 2.063.143/SC, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 03/10/2023).
A vinculação obrigatória da transportadora segurada à observância integral da cláusula de PGR na operação de transporte de carga caracteriza-se pela configuração do agravamento intencional do risco no caso de seu descumprimento, nos termos do artigo 768 do Código Civil. Logo, na apólice que tenha o PGR, mas que a transportadora não o cumpriu mesmo por negligência, imprudência ou imperícia ter-se-á a configuração de intencionalidade de agravar o risco no caso de sinistro.
Neste sentido, o Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva conclui no julgado citado:
“(...) em âmbito securitário, a adoção de medidas de prevenção antecipada de sinistros está inserida no dever de colaboração das partes, mormente quando pactuadas, resultando na perda do direito à indenização o agravamento intencional do risco, consistente no descumprimento deliberado das disposições relativas ao Plano de Gerenciamento de Riscos (PGR) [...] estando comprovado o descuido da transportadora ao não ter adotado corretamente o plano de gerenciamento de risco contratado, conduta que contribui para a ocorrência do sinistro (roubo total da carga), evidencia-se o agravamento intencional do risco, a excluir o dever de indenizar da seguradora.” (STJ – 3ª T., REsp n. 2.063.143/SC, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 03/10/2023).
Dessa forma, o ponto mais importante na contratação do seguro é conhecimento integral e detalhado das exigências contidas na cláusula da PGR. Conhecendo a sua totalidade e, principalmente, todas as suas especificidades, o segurado é obrigado a aplicá-la integral em todas as suas operações, sob pena de perda da garantia e/ou da indenização em caso de sinistro em razão da configuração do agravamento do risco (artigo 768), inobservância da boa-fé (artigo 765), descumprimento ao dever de informação (artigos 766 e 769).
(26.06.2024)