Diante da informação do jornalista Lauro Jardim, no O Globo, em 25/08/2019, de que a SUSEP prepara medidas para diminuir a exigência da contratação do seguro no exterior (https://blogs.oglobo.globo.com/lauro-jardim/post/medidas-da-susep-para-contratacao-de-seguro-no-exterior.html) é importante revisitar quais as regras atuais e como se estrutura a forma de contratação.

Importante lembrar que a contratação do seguro exterior não se restringe à estrutura normativa administrativa determinada pela SUSEP, mas há que obedecer aos princípios fundamentais da ordem jurídica brasileira.

Da Licitude da Contratação de Seguro no Exterior e Legislação aplicável.

A contratação de seguro no exterior para riscos existentes no País, antes de tudo, é lícita[1] desde que obedecidos os seguintes requisitos:

Artigo 20, da Lei Complementar 126, de 15 de janeiro de 2007;

Artigos 6º, 7º e 8º, da Resolução CNSP nº 197/2008;

Artigos 9º, 10º, 11º, 12º, 13º, 14º, 15º e 16º, da Circular SUSEP nº 392/2009.

De acordo com o art. 20 da LC 126/2007, a contratação do seguro no exterior é possível quando i) não houver cobertura disponível no mercado interno, ii) o risco estiver no exterior enquanto o seguro lá permanecer, iii) no caso de contratação decorrer de tratados internacionais referendados pelo Congresso Nacional e iv) o seguro já tiver sido contratado antes da entrada em vigor da Lei Complementar.

A contratação no exterior para risco transitório de pessoa física residente no Brasil enquanto ela estiver no exterior é liberada e tem como exemplo no seguro viagem com empresa estrangeira. O seguro de risco decorrente de tratado internacional pode ser exemplificado no caso do Seguro Carta Verde para condução de veículo automotor na região do MERCOSUL.

O art. 20 prestigia o princípio jurídico de que é o tempo da contratação que deve disciplinar e manter os contratos[2]. Os seguros contratados antes da LC nº 126/2007 deverão ser mantidos e respeitados.

O inc. I, do art. 20 da LC nº 126/2007 exige atenção especial porque fixa a base legal para este tipo de contratação. Ele diz que poderão ser contratados no exterior seguro para “cobertura de riscos para os quais não exista oferta de seguro no País, desde que sua contratação não represente infração à legislação vigente.”.

A redação é infeliz e induz ao equívoco conceitual em razão da diferença entre “não existir oferta de cobertura” e “não existir aceitação do risco, apetite de subscrição, interesse por parte das seguradoras”. Este equívoco é corrigido pelos §§ 1º e 2º da Resolução CNSP nº 197/2008, que fixa a negativa técnica de aceitação do risco como forma de inexistência de oferta no mercado nacional. Ainda sobre a não aceitação do risco, o §2º, do artigo 11 da Circular SUSEP nº 392 de 2009 impõe que não serão aceitas negativas provenientes de falha na informação prestada pelo proponente.

Em sentido amplo, o intuito da LC nº 126/2007 é, indiscutivelmente, servir de instrumento para que o segurado tenha acesso à cobertura pretendida garantindo o seu legítimo interesse e prestigiando o mercado segurador nacional através da retenção riqueza através do prêmio, pagamento de impostos, gerando emprego e capital. Outro dado importante é que a LC nº 126/2007 tem por objetivo expresso a regulamentação do mercado de resseguro, cosseguro e retrocessão.

Contudo, acima as disposições da LC nº 126/2007 estão as regras contratuais do Código Civil e, principalmente, os princípios de ordem pública, tais como função social do contrato e da boa-fé objetiva.

O direito tem como princípio a liberdade moderada de contratação – princípio da autonomia da vontade, que foi mitigado diante da visão pós-moderna do direito civil constitucional. De acordo com o Código Civil, a validade jurídica do contrato exige i) agente capaz, ii) objeto contratado lícito, possível, determinado ou determinável e iii) forma determinada ou não proibida pela lei, conforme art. 104[3].

A liberdade de contratar, por sua vez, é limitada pela função social do contrato, conforme art. 421 do Código Civil[4], que é a finalidade econômica e social do negócio para geração de riqueza. Os interesses individuais das partes contratantes devem ser exercidos conjuntamente com aqueles de natureza social que existem ao redor do negócio.

Outra vertente da função social é a observância dos preceitos de ordem pública, usos e costumes, bons costumes e moral da sociedade. Assim, o segurado não poderá contratar no exterior cobertura que contrarie aos bons costumes, os interesses da coletividade, os fundamentos da ordem econômica e a moral da coletividade.

Portanto, a contratação da apólice no exterior além de seguir os requisitos legais da LC nº 126/2007 e da regulamentação do CNSP e da SUSEP deverá, principalmente, se encaixar na estrutura do Código Civil e dos princípios gerais de direito.

Das Normas Administrativas – CNSP e SUSEP.

Os arts 19 e 20 da LC nº 126/2007 são regulamentados pela Resolução CNSP nº 197/2008, que, por sua vez, é regulamentada pela Circular SUSEP nº 392/2009, que aponta os critérios operacionais da contratação.

As normas administrativas do CNSP e da SUSEP não podem contrariar disposições do Código Civil e da LC nº 126/2007, conforme já demonstrado. Assim, os arts. 19 e 20 da LC 126/2007 devem ser interpretados a partir das regras civis e dos princípios jurídicos, mas operacionalizados a partir regras administrativas.

Para conhecer o risco jurídico é fundamental concentrar-se, especificamente, nos dispositivos da Resolução CNSP nº 197/2008 com relação direta com a Circular SUSEP nº 392/2009.

As disposições pertinentes iniciam-se no artigo 6º da Resolução CNSP nº 197/2008, que é cópia do art. 20 da LC nº 126/2007. As exigências são as mesmas, os requisitos são os mesmos e as condicionantes também são idênticas. Porém, a partir do inc. V e dos §§ 1º, 2º, 3º e 4º há novidades que precisam ser anotadas.

O inc. V, da Resolução CNSP nº 197/2008 não tem correspondente na LC nº 126/2007 e amplia a possibilidade de contratação de seguro no exterior para os seguros de cascos, máquinas e responsabilidade civil de embarcações registradas no Registro Especial Brasileiro – REB:

“V – seguro de cascos, máquinas e responsabilidade civil para embarcações registradas no Registro Especial Brasileiro – REB, nos termos previstos no § 2o do art. 11 da Lei No 9.432, de 9 de janeiro de 1997.”

O § 1º, do art. 6º da Resolução CNSP dá melhor intepretação ao inc. I, do art. 20 da LC nº 126/2009 caracterizando a não aceitação risco a partir da negativa de cobertura dados pelas seguradoras brasileiras:

1º, do art. 6º da Resolução CNSP“A caracterização da situação de não aceitação do risco no País, prevista no inciso I deste artigo e na Lei mencionada no inciso V deste artigo, dar-se-á pelas negativas para a cobertura do seguro obtidas mediante consultas efetuadas a sociedades seguradoras brasileiras que operem no ramo de seguro em que se enquadre o risco, na forma estabelecida pela SUSEP em regulamentação específica.”

Inc. I, do art. 20 da LC nº 126/2009“I - cobertura de riscos para os quais não exista oferta de seguro no País, desde que sua contratação não represente infração à legislação vigente;”

O § 2º, do art. 6º da Resolução CNSP possibilita a contratação de cobertura que, simplesmente, não teve aceitação:

Estes dispositivos são operacionalizados pelos itens I, II e III, do art. 11 da Circular SUSEP nº 392/2009, que dispõe a SUSEP poderá exigir a comprovação de consultas idênticas a 10 sociedades seguradoras brasileiras, comprovação de negativa das seguradoras consultadas e a consulta à seguradora estrangeira através de tradução juramentada:

“Art. 11. Para contratações relativas a riscos para os quais não tenha sido obtida cobertura no País, a SUSEP poderá, a qualquer tempo, exigir que o segurado e/ou o corretor apresentem os seguintes documentos: I - Cópia de consultas efetuadas a, no mínimo, 10 (dez) sociedades seguradoras brasileiras que operem no ramo de seguro em que se enquadre o risco, devendo ser as consultas iguais, para todas as seguradoras. II - Cópia dos documentos emitidos pelas seguradoras mencionadas no inciso anterior, com a respectiva negativa para a cobertura do seguro, com a justificativa apresentada para o posicionamento; III - Cópia da consulta efetuada à seguradora no exterior, com tradução juramentada no idioma nacional, nos mesmos termos daquelas efetuadas às seguradoras nacionais.”

Os §§ 1º e 2º, do art. 11 da Circular SUSEP excepciona tais regras; em não havendo 10 seguradoras com operação naquele ramo, a consulta deverá ocorrer em todas as companhias. Já a negativa de aceitação não pode ser dá a partir de falta de informações do proponente.

O § 3º, do art. 6º da Resolução CNSP fixa a possibilidade da substituição da consulta das seguradoras que operam no mercado brasileiro pela negativa emitida por entidade representante de classe. Este dispositivo deve ser operacionalizado de acordo com o arts. 12 e seus itens I, II e III da Circular SUSEP nº 392/2009. Contudo, eles não resultam em risco operacional, uma vez que as diretrizes fixadas pela SUSEP e CNSP dizem respeito à constituição de determinada entidade como representante de determinada classe profissional.

O § 4º, do art. 6º da Resolução CNSP aplica a negativa de contratação do seguro no País a partir da existência de preço compatível no mercado internacional para os riscos de cascos, máquinas e responsabilidade civil para embarcações de Registro Especial – REB (cf. Lei nº 9.432 de janeiro de 1997) e deve ser operacionalizado a partir do art. 15 da Circular SUSEP nº 392/2009, que exige a comprovação dos seguintes documentos: i) cópia de consultas feitas a, no mínimo 5 (cinco) seguradoras brasileiras; ii) cópia das cotações das seguradoras brasileiras; iii) cópias das consultas e cotações feitas às seguradoras estrangeiras (com tradução juramentada) e iv) cópia da reavaliação pelas menos 5 seguradoras brasileiras para negativa final formal.

O parágrafo único, do art. 15 da Circular SUSEP nº 392/2009 fixa a obrigatoriedade de reavaliação pelas sociedades brasileiras após a cotação no exterior.

O art. 7º da Resolução CNSP possibilita a contratação no exterior de seguro para risco que está no exterior, conforme já prevê o parágrafo único do art. 20 da LC nº 126/2007. Por último, ela possibilita a contratação de seguro no exterior para risco que esteja no exterior, porém com custeio por pessoa física ou jurídica domicílio no Brasil.

Em geral estes são os requisitos normativos do CNSP e da SUSEP devidamente interligados entre si para contratação de seguro no exterior.

Conclusão.

Apesar da multiplicidade das normas aplicáveis, a conclusão é que a operacionalização da contratação do seguro no exterior não representa maior complexidade. Não é exigível que as partes interessadas tomem outras medidas de gerenciamento para este risco além da observância das exigências solicitadas pela Resolução CNSP n. 197/2008 e, especialmente, da Circular SUSEP 392/2009.

É importantíssimo apontar que até 2007 teve vigência a Resolução CNSP nº 12, de 17 de fevereiro de 2000, que estipulava no § 4º, do artigo 10 a obrigação do segurado ou corretor protocolar todos os documentos de cotação e análise de risco pelas seguradoras brasileiras na SUSEP, no prazo de 20 dias. O § 3º, do mesmo artigo daquela Resolução estipulava que cabia à SUSEP autorizar ou não a contratação do seguro no exterior. Contudo, esta Resolução foi revogada expressamente pela Resolução CNSP n. 165, de 17 de julho de 2007, que também foi revogada expressamente pelo artigo 13 da Resolução CNSP n. 197/2008. Portanto, tais exigências do passado não estão mais em vigor, sendo que a redação do artigo 11 da Circular SUSEP n. 392/2009 fixa que a Superintendência PODERÁ solicitar a apresentação dos documentos probatórios. Tampouco há necessidade de autorização da autarquia para contratação.

As normas regulamentares do CNSP e da SUSEP não estipulam prazo para que o segurado ou o corretor arquivem as cópias decorrentes da contratação, que poderão ser solicitadas. Contudo, adotando critério de diálogo das fontes e com posição ortodoxa, aponta o período de 5 anos, que é base de questionamento no campo tributário para verificação dos impostos devidos e outras reclamações decorrentes da transação financeira.

[1] O artigo 19 da LC 126/2007 fixa a EXCLUSIVIDADE do mercado segurador interno na contratação do risco aqui existente e fixa o artigo 20 como exceção à regra de exclusividade: Art. 19. São exclusivamente celebrados no País, ressalvados o disposto no art. 20 desta Lei Complementar: I- os seguros obrigatórios; e II- os seguros não obrigatórios contratados por pessoas naturais residentes no País ou por pessoas jurídicas domiciliados no território nacional, independentemente da forma jurídica, para garantia de riscos no País.

[2] Princípio decorrente do direito romano tempus regit actum, que significa, literalmente, a lei naquele determinado tempo rege o ato jurídico ali realizado. Em síntese: os atos jurídicos são disciplinados pela lei da época em que ocorreram. São as exceções: retroatividade ultratividade.

[3Art. 104. A validade do negócio jurídico requer: I- agente capaz, II- objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III- forma prescrita ou não defesa em lei.

[4Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.

27.08.2019