A 4ª Turma do STJ, no julgamento do REsp n. 1.988.894-SP, em 09/05/2023, firmou entendimento através do voto da Ministra Maria Isabel Gallotti de que a ciência prévia da seguradora emissora da apólice de seguro garantia quanto à existência, validade e eficácia da cláusula arbitral no contrato principal garantido resulta na sua submissão à ela e, portanto, à jurisdição arbitral, uma vez que “o risco é objeto da própria apólice securitária e constitui elemento objetivo a ser considerado na avaliação da cobertura do sinistro pela seguradora, nos termos do art. 757 do Código Civil.”

O ponto mais importante é a diferenciação da vinculação da seguradora à cláusula arbitral quando for seguro de dano e quando for seguro garantia, em se tratando da natureza jurídica de cada um deste seguro. Assim, a discussão ocorreu quanto a transmissão automática ou não de cláusula arbitral, prevista em contrato de transporte marítimo, às seguradoras sub-rogadas, em caso de ação regressiva de ressarcimento.

A sub-rogação do art. 786 do Código Civil estabelece que, “paga a indenização, o segurador sub-roga-se, nos limites do valor respectivo, nos direitos e ações que competirem ao segurado contra o autor do dano”, possuindo natureza jurídica de sub-rogação legal, pois independe de previsão contratual.

Importante lembrar que o contrato de transporte – firmado entre o segurado e o transportador – e o seguro de dano – firmado entre o segurado e a seguradora para os danos decorrentes do transporte – são independentes, autônomos e, mais, referem-se a obrigações distintas, ainda que equivalentes no montante indenizatório, sendo que no seguro de dano há tão somente um interesse protegido: o risco de descumprimento do contrato de transporte, que o segurador assume indenizar os prejuízos em troca dos prêmios pagos e do poder de buscar o ressarcimento pela apólice indenizada a partir da sub-rogação legal do art. 786 do CC.

Neste sentido, a submissão da seguradora à cláusula arbitral deve ser afastada em razão do direto da sub-rogação legal. Entendimento diverso possibilitaria obrigar a seguradora a se submeter ao compromisso arbitral decorrente de cláusula compromissória celebrada posteriormente à contratação da apólice securitária, não considerada no cálculo do risco predeterminado, conforme afrontaria os artigos 757, 759, 765 e 766 todos do Código Civil.

Por outro lado, notadamente nos casos de seguro garantia não há como se afastar o conhecimento prévio da seguradora da existência de cláusula compromissória no contrato de transporte marítimo de cargas objeto da apólice securitária. Como consequência da sub-rogação legal, há transferência de “todos os direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo, em relação à dívida, contra o devedor principal e os fiadores”, a teor do disposto no art. 349 do CC.

Trata-se, portanto, de instituto de natureza mista, material e processual, dado que são transferidas também “as ações que competiriam ao segurado”. Desse modo, tendo sido submetido o contrato principal a ser garantido previamente à seguradora, a fim de que analisasse os riscos provenientes do contrato garantido, entre os quais foi ou deveria ter sido considerada a cláusula compromissória, inafastável o entendimento de que tal cláusula deve ser considerada como um dos elementos essenciais do interesse a ser garantido e do risco predeterminado, conforme artigos 757, caput, e 759 do Código Civil.

A previsão do artigo 786, § 2°, do Código Civil, de que “é ineficaz qualquer ato do segurado que diminua ou extinga, em prejuízo do segurador, os direitos a que se refere este artigo”, refere-se aos atos praticados posteriormente à celebração do contrato de seguro e/ou sem o conhecimento da seguradora, justamente em virtude da exigência legal de ciência prévia para se estipular os riscos predeterminados garantidos. Não há como incidir a mencionada regra quando a disposição contratual integra a unidade do risco objeto da própria apólice securitária, dado que elemento objetivo a ser considerado nos cálculos atuariais efetuados pela seguradora e objeto da autonomia das partes.

Afastar a sub-rogação na cláusula arbitral, previamente exposta à aprovação da seguradora e de conhecimento de todos, implicaria submeter as partes do contrato principal garantido de transporte marítimo ao arbítrio da contraparte na livre escolha da jurisdição aplicável à avença, pois dependente única e exclusivamente da seguradora escolhida pelo consignatário da carga.

Dessa forma, a despeito de a sub-rogação legal em favor da seguradora não importar transmissão automática de cláusula compromissória, a ciência prévia da seguradora a respeito de sua existência no contrato objeto de seguro garantia resulta na submissão à jurisdição arbitral.

Fonte: Informativo do STJ n. 775, de 33 de maio de 2023 – REsp n. 1.988.894-SP.

23.08.2023