Em um sistema de seguros moderno, livre e tecnicamente atuante, aguardado por todos e que deve ser introduzido pela SUSEP, a gerência de risco assume papel de suma importância, diria essencial.
Julgo importante entendermos bem o que outorga forma ao gerenciamento de risco atual e como funciona e a quem compete a sua execução.
A razão desta minha proposição é a de sempre. Não se concebe um mercado livre para criação de seguros e sua aceitação pelos seguradores e resseguradores sem uma análise prévia dos riscos. Uma elaboração adequada, justa e ética de condições e cláusulas de seguros para os riscos que deverão ser transferidos. Como já informei inúmeras vezes, seguro é um instrumento de tratativa de risco e, justamente na sua criação e colocação, fica claro a essencialidade do gerenciamento de risco.
No mercado atual, existem dois modelos de gerenciamento de risco: o Básico e o ERM – Enterprise Risk Management – este muito recente no Brasil. Ambos são importantes às médias e grandes empresas e, por isso, devemos entender bem suas semelhanças e diferenças e a quem compete executar as suas inúmeras atividades inerentes.
A gerência de risco básica trata exclusivamente de riscos puros, isto é, que causam tão somente perdas e danos e suas consequências aos bens, pessoas e coisas consideradas. A sua operação está baseada nos trabalhos de identificação, de avaliação e de tratativa dos riscos que afetam ou sejam inerentes às atividades exercidas por toda e qualquer empresa ou empreendimento.
As tratativas dadas aos riscos puros são o resultado dos processos de identificação e avaliação. Essencialmente, dividem-se em assumir totalmente o risco com planejamento adequado (auto seguro); em assumir parcialmente o risco (franquias e participações); em anular e minimizar o impacto do risco (controle dos riscos e segurança); e, finalmente, a transferência dos riscos, usualmente com a implantação de um programa de seguros.
Até recentemente, entendíamos que esta seria uma função própria e exclusiva das empresas. É, no entanto, um processo com ligação estreita com o seguro. Com a modernização, o seguro passa a ser elaborado de forma a acatar e assumir o risco transferido na melhor forma possível tanto para o segurado quanto para o segurador. Na qualidade de assessoria e consultoria de serviços, essas funções serão a principal atividade de um corretor profissional de seguro.
A atuação desse corretor na gerência de risco básica do cliente segurado é essencial para a definição das medidas a serem adotadas a cada risco identificado e avaliado de forma a determinar, com conhecimento de causa, a qualidade dos produtos de seguros e a negociação com as seguradoras onde serão concedidos informações e dados adequados ao seu ‘underwriting’ e sua capacidade de assumir os riscos transferidos.
Portanto, a gerência de risco básico é uma função, atividade, serviço conjunto do corretor profissional de seguros com o segurado. A meu ver, não é passível de argumentação que seguradoras possam oferecer e executar tal serviço. É óbvio que há um conflito de interesses: como uma seguradora que irá assumir o risco do segurado poderá analisar e definir as condições do seguro? Aqui é evidente o conflito de interesses. Uma coisa é o corretor profissional apresentar, com transparência e objetividade, as informações e dados do risco a ser transferido, e outra é a seguradora atuar na gerência do risco básico do segurado. A seguradora assume ou recusa o seguro baseado em critérios de aceitação de risco conforme o processo de negociações para colocação, o chamado ‘brokerage’, entre corretor profissional e seguradora.
A ERM – Enterprise Risk Management – a segunda forma de atuar no gerenciamento de risco está direcionada aos riscos especulativos e negócios propriamente ditos que podem gerar impacto severo na sustentabilidade das médias e grandes empresas. Tem importância vital e deve estar sob o controle imediato dos CFO’s, CEO’s, Presidentes e Conselhos das empresas. Tem pouco a ver com seguros – exceto e eventualmente em grandes seguros em excesso para catástrofes.
A ERM, em teoria e na prática, se atém aos inúmeros riscos de negócios. Deve estimular, propor, procurar e adotar soluções pertinentes aos riscos identificados e avaliados como cancelamento de projetos de expansão, de tratativas financeiramente viáveis e lógicas que mantenham a segurança, a sustentabilidade e a sobrevivência da empresa.
A ERM tem grande importância, porém, não impacta na abertura, liberdade e modernização do nosso mercado. A não ser, claro, que mantido o ‘status quo’ de nosso Sistema continuemos a operar de forma padronizado e arcaica.
No entanto, em nosso país onde as empresas enfrentam diariamente imensos riscos de negócios como excesso de burocracia, falta de liderança e instabilidade política, legislação prolífica, insegurança física, contratual, fiscal e judiciária, mão de obra desqualificada, indiferença com o meio ambiente, corrupção endêmica, imagem pública deteriorada, agressividade exacerbada nas redes sociais, problemas de gestão e governança, enfim, um país em desenvolvimento com altos e baixos na sua democracia, a ERM tem enorme importância. Todos esses riscos devem ser tratados, pois, geram toda gama de dificuldades ao desenvolvimento da inciativa privado.
Para maior esclarecimento da importância das duas formas de gerência de risco, apresento fatos tanto positivos quanto negativos.
Fato: grande empresa de petróleo, em conjunto com seu corretor profissional, adota medidas de controle como segurança e prevenção em poço e, comprovadamente, minimizam a ocorrência de sinistros de ‘blow out’ resultando em substancial redução do prêmio de seguro. Uma clara medida de gerência de risco básica.
Fato: grande empresa mineradora é responsabilizada por grande rompimento de barragem que causa perdas e danos materiais e pessoais catastróficos. Inúmeras propriedades, próprias e de terceiros, situadas exatamente no caminho da inundação e da lama consequentes da ruptura. Total falta de gerenciamento de risco para tratar dados e flagrante desleixo das autoridades municipais em permitir propriedades em áreas circunvizinhas à barragem. Situação claramente evitável pela gerência de risco básica.
Já na ERM, apresentamos um exemplo clássico do Curso de Certificação ERM da ALARYS / ABGR. Grande empresa de petróleo, operando mundialmente, constata estar exposta a um catastrófico risco de dano ao meio ambiente de severo impacto financeiro. O seguro é inviável tanto pela recusa da seguradora em assumi-lo quanto por seu alto custo. A medida adotada é investir em prevenção perdas e danos ao meio ambiente adotando recursos de Capital Expenditure, CAPEX, resultando em valorização das ações da empresa. Desta forma, a empresa consegue financiar uma franquia de altíssimo valor, permitindo que o seguro por excesso de danos ao meio ambiente seja aceito pela seguradora. A situação foi orientada e administrada por um corretor profissional.
Outro exemplo de ERM: Presidente do Conselho de grande empresa recusa-se a seguir determinação do seu próprio ‘compliance’ e decide investir pesadamente em derivativos com resultados a prazo médio que levam a uma situação desastrosa para a empresa. Caso típico sujeito à ERM: contrariar os dispositivos de ‘compliance’ só se todo o Conselho e Diretoria for unânime na aceitação do procedimento. É o caso de não investir ou do seja o que Deus quiser.
Mais um exemplo: empresa planeja investimento pesado em empreendimento próprio no exterior, em atividade promissora, com base em projeto técnico de alta envergadura e ‘project finance’ totalmente viável. Governo local, no entanto, implementa lei autorizando tais investimentos tão somente com a participação majoritária de cidadãos ou empresas nacionais. Como estudo determina que não há empresas locais com especificações ou expertise aceitáveis, o Conselho de empresa decide, com base em parecer negativo de ERM e do CFO, a cancelar o empreendimento.
Pelo exposto, parece-me razoável constatar a importância do exercício das duas formas de gerência de risco como função inerente às atividades e serviços de corretores profissionais de seguros.
Julgo que, neste momento, precisamos indagar, com humildade e franqueza, se o nosso mercado tem, de fato, conhecimento, expertise e estrutura para exercer as atividades de gerenciamento de risco, seja básico ou empresarial.
Em diversas oportunidades, respondi a essa indagação declarando o óbvio. Os corretores profissionais, os chamados ‘brokers’ estão preparados, bem ou mal, a conceder os serviços de gerenciamento de risco básico, pois, assim já atuam com os segurados.
Seguradoras e resseguradoras, para análises de ‘underwriting’, adotam ou não critérios de gerenciamento de risco.
Já os segurados tendem a adotar a ERM, compelidos e influenciados pelos sistemas de boa governança necessariamente implantados, incluso aqui o ‘compliance’ que obrigatoriamente detém em suas normas o gerenciamento de risco para garantir a sustentabilidade e sobrevivência da empresa.
No momento da abertura e liberdade do mercado é evidente que iremos constatar a inadequação de um grande número de participantes e, pior, que as instituições de ensino não estão preparadas para capacitar os corretores de seguros e seguradores também nas atividades de gerenciamento de risco.
Assim, é de suma importância que as instituições representativas de ambas atividades e a inciativa privada entendam a importância da necessidade de estruturar, adequar e ampliar o ensino de gerenciamento de risco básico e da administração de seguros de forma a ser direcionada a cada atividade. Atualmente, o ensino é padronizado e único onde não há diferença entre as atividades do corretor e do segurador.
Já os segurados tem amplo acesso a cursos de Administração de empresas e outros específicos como Direito, Engenharia, Medicina e toda gama de profissões em inúmeras universidades brasileiras e estrangeiras. O que julgo estranho é que, com toda essa disponibilidade de aprendizado, até muito recentemente não se dava importância a governança e ‘compliance’ em empresas. Assistimos barbaridades nos controles internos de empresas, ações negativas que levam à solvência colocando em risco a sobrevivência de grandes empresas - totalmente evitável pela plena atividade de um ERM atuante.
O que o ensino brasileiro disponibiliza atualmente para a nossa atividade de gerência de risco? Não sou especialista neste assunto, porém, a minha experiência me faz perceber que muito pouco é disponibilizado. Quer me parecer que existem algumas iniciativas particulares onde são apresentados cursos de gerência de riscos, inclusive telemétricos. Ouvi falar de algumas universidades que apresentam cursos de gerência de risco, porém, desconheço seus currículos.
A ABGR – Associação Brasileira de Gerência de Risco, fundada em 1983, apresentou alguns cursos de gerenciamento de risco promovidos por intermédio da ALARYS Fundación Latino Americana de Administración de Riesgos para certificação AIRM para administradores de risco. Mais recentemente, uma vez que é uma Associação, vem promovendo junto com a ALARYS novamente, cursos de ERM.
A meu ver, sendo a única instituição que promove esse curso, deveria incluir no seu currículo também um curso de gerência de risco básico. Talvez, um pouco mais ampliado na sua execução prática. A ENS – Escola Nacional de Seguros – apresenta curso específico de gerenciamento de risco básico, além de vários cursos de seguros em geral e, até mesmo, um MBA completo na área de administração dirigido ao mercado de seguros. Sinceramente, embora com uma expansão enorme em seu currículo de ensino, a Escola fundada em 1971 por iniciativa das seguradoras, tem o claro propósito de qualificar mão de obra para as seguradoras.
Na área de seguros, o desenvolvimento do ensino é bem maior. Além da ENS, existem inúmeras iniciativas em universidades como adição a currículos de Administração; iniciativas de pequenas empresas no estudo dos seguros, algumas praticando serviços relevantes; iniciativas importantes dirigidas a corretores de seguros por intermédio de seus Sindicatos. Quer me parecer que todos esses riscos, no entanto, estão mais voltados ao produto seguros em si como uma ‘commodity’ e seu processo de venda e não tanto em sua importância real como melhor instrumento de transferência de risco apoiado em seu gerenciamento correto.
A partir do momento da decisão de formular o instrumento seguro, aí sim, há o conhecimento amplo para a criação de condições ideais de maneira a preencher as necessidades de quem o transfere e as de quem o aceita em uma comunhão de interesses do segurado e do segurador, intermediado pelo corretor profissional de seguros.
Está na hora dos corretores profissionais de seguros entenderem que devem criar instituições de ensino com currículo voltado à sua própria atividade, à sua própria operação de serviços, de consultoria e de assessoria a seus clientes segurados seja diretamente, por iniciativa própria, por seus Sindicatos ou pela FENACOR.
Currículo onde serão importantes o conhecimento prático e teórico do gerenciamento de risco básico, de atendimento ao cliente, de seus serviços, de seguros. Conhecimento que permita a preparação adequada das informações e dados de ‘underwriting’ para que possam negociar de forma transparente e correta as condições de seguro que serão aceitas pelo mercado segurador.
Não sei se estou sonhando demais, se estou me perdendo no meu ‘wishfull thinking’ (mal traduzido para ‘pensamento positivo’, a meu ver) porém, sinto que isto é possível se nos empenharmos para tanto. Ao menos, muitas corretoras profissionais vêm agindo dessa forma. O que me parece que falta é uma liderança que promova a união de todos para atingirmos qualidade e, sobretudo, maturidade e honestidade em nossos serviços. Não vejo como o Governo ou o Sistema de Seguradoras podem atuar nesse sentido. Cabe a nós, à iniciativa privada, aos corretores, atingirmos o ‘wishfull thinking’.
São Paulo, 25 de Setembro 2020