A concorrência no mercado de seguros passou a ser assunto do dia por conta das tratativas e propostas da SUSEP. Entre algumas, o aumento do número de seguradoras atuando através da criação de companhias regionais e que tais; a anulação da lei que rege a profissão dos corretores de seguros e a suspensão da obrigatoriedade de pagamentos de comissão.
Segundo me parece, essas medidas visam estimular a produção de seguros com previsão de dobrar o volume de prêmio das seguradoras e resseguradoras no nosso Brasil. Sinceramente, não sei de onde surgiu essa previsão de aumento de 100% do prêmio consequente dessas medidas, porém, tem toda a aparência de uma ‘fake news’, se considerada a curto prazo.
Considerados os anos de recessão que nos afligem e a real situação econômica atual - independente das reformas que vem sendo realizadas, como a da previdência e as tentativas de outras tantas que infelizmente são objeto político de muitas conversas e poucas soluções – é realmente surpreendente que o mercado de seguros, na situação regulatória em que se encontra ainda, tenha crescido a números significativos tanto em relação às seguradoras / resseguradoras quanto a corretores profissionais de seguro.
Agora, pretender que o seguro venha a dobrar sua produção com as medidas propostas pela SUSEP, quer me parecer, pouco provável dada a conjuntura brasileira. Considero importante que analisemos com cuidado e atenção certas peculiaridades estatísticas que demonstram a realidade da população brasileira, ou seja, os possíveis e prováveis consumidores de seguros visados nesse propósito de aumentar a concorrência e, por consequência, a produção de prêmios.
Concorrência é sempre saudável e, certamente, deve resultar em redução de preços. É evidente que a proposição da SUSEP de aumentar o número de seguradoras, pode ajudar a quebra de alguns conhecidos oligopólios de seguradoras e bancos que operam em seguros, -principalmente, massificados – visando, sobretudo a redução de preços. A concorrência, no entanto, é idealmente aplicável a produtos tangíveis como geladeiras, fogões e demais. Como já mencionei inúmeras vezes, seguro não se enquadra propriamente nesse perfil. A não ser por seguros massificados como Vida, Acidentes Pessoais, Automóvel e, eventualmente, outros que possam ser submetidos a formatos padronizados, de absoluta adesão, principalmente quanto as condições de cobertura, procedimentos de regulação de sinistro e importâncias seguradas relativamente baixas. Estes, com a fantástica evolução tecnológica, passarão a ser vendidos através de um celular ou por insurtech’s que irão inundar o mercado.
Os demais seguros, no entanto, continuam a ser um contrato entre um segurado - representado ou não por seu corretor de seguros profissional, parte interveniente nesse acordo – e uma seguradora que aceite e assume os riscos previamente analisados e avaliados a um preço compatível com o valor transferido e assumido e mais a remuneração sobre serviços inerentes à manutenção e administração técnica do contrato do seguro pelo corretor profissional e a seguradora.
No nosso Brasil, essa compatibilidade de preço ao risco assumido pelas seguradoras sempre foi muito maltratada. Na época do monopólio estatal, o preço do seguro era fantástico: bem superior à média dos seguros e resseguros obtidos no exterior, com práticas adotadas de altíssimas comissões com retorno agressivo ao cliente quando uma espécie de “concorrência” ou alteração necessária do preço passava a ocorrer.
Atualmente, enfrentamos o que chamo de “concorrência predatória” em todo o mercado. Apresentação de ‘fees’ ridículos para a tratativa de seguros e riscos de alto valor e complexidade – no sistema me-engana-que-eu-gosto – onde concorrentes procuram obter recursos outros para financiar os serviços prometidos na fictícia concorrência. O consumidor ou segurado julga que, realmente, obteve o preço mínimo por serviços importantes e, por consequência, julgam que os corretores e as seguradoras aceitaram essas condições somente para vencer a concorrência de um segurado importante.
Os segurados mais esclarecidos, certamente, devem meditar sobre a relação entre a capacidade da execução dos serviços a serem realizados e o valor apresentado. Mas como o objeto da concorrência não é julgado tão importante assim e o preço está maravilhoso, o comprador aprova. Nas concorrências de seguros governamentais obrigadas a realizar concorrência de qualquer seguro, a situação é ainda mais inapropriada. Embora toda a regra tenha exceções, poucas empresas têm conhecimento de risco, muito menos ainda de seguros. Os responsáveis por essas concorrências estão mais habituados a tratar o preço como o único condicionante. Isto posto, como a maioria não oferece elementos técnicos do risco às seguradoras, os preços são apresentados na mesma forma que são oferecidos os riscos. Já assisti casos incríveis como prêmio de RCG cotado por uma seguradora por oitocentos mil reais perder a concorrência para outra seguradora que, no último momento do leilão, ofereceu um prêmio de oitenta mil reais. É óbvio que alguém errou na cotação.
A vontade do Governo, via SUSEP, de aumentar a produção de prêmio mediante a criação de seguradoras concorrentes, da extinção de corretoras e comissões e das novas tecnologias, embora bem intencionada e liberal, esbarra em alguns problemas econômicos outros operacionais.
O primeiro deles é óbvio. Para “quem” vender seguro? De acordo com o IBGE, a população brasileira é de 210 milhões de habitantes aproximadamente. Estamos divididos em cinco classes bem diferentes, que por sua vez, se subdividem em outras tantas. A classe A são famílias com renda mensal superior a R$18.462,00. A classe B, com renda mensal entre R$5.929,00 e R$18.462,00. A classe C, entre R$2.459,00 e R$5.929,00. E, finalmente, as classes D e E, com renda mensal de até R$2.459,00. Consideremos a existência aproximada de 100 milhões de pessoas economicamente ativas no país que ganham, em média, por ano R$31.833,50 ou R$2.652,79 ao mês.
Devemos lembrar que, nas classes D e E, temos mais de 12 milhões de desempregados e poucas perspectivas de que sejam assimilados para qualquer ocupação a curto prazo. Temos, ainda, algo em torno de 5 milhões de pessoas desalentadas – os que desistiram de procurar emprego – e mais 40 milhões de pessoas, aproximadamente, atuando na economia informal que são chamados ‘empreendedores’ brasileiros.
Por outro lado, temos a felicidade de contar com uma inflação razoavelmente baixa e a redução de juros. Na prática, essa situação positiva, não alcança as necessidades da população que costuma se endividar para poder consumir itens básicos. E temos que lembrar que a situação positiva acontece muito mais por conta de uma persistente recessão do que propriamente por melhorias da economia.
Considerando o apresentado e cientes da economia arrefecida, com a indústria e serviços empacados e o agronegócio sustentando praticamente sozinho este imenso paquiderme, volto a perguntar para “quem” venderemos seguros?
A meu ver, vamos continuar a operar essencialmente, com os mesmos consumidores de sempre. O bolo vai se manter o mesmo e, por consequência, vamos assistir a uma enorme luta para sobreviver. Certamente, será predatória e condizente com a política insensata de aceitação de riscos e regulação de sinistros que ainda persistem. O resultado futuro será a insatisfação crescente do consumidor às atividades, produtos e serviços do mercado de seguros.
A recuperação da imagem será extremamente difícil e de longo prazo. O crescimento do mercado só ocorrerá se houver a introdução de melhores práticas de concorrência real, ética e profissional entre todos, inclusive o eventual surgimento de um maior números de seguradoras e corretoras.
Do meu ponto de vista, deveríamos considerar, primeiro, retirar da SUSEP qualquer ingerência na preparação do produto seguro e no seu preço. As seguradoras ficam livres para determinar e negociar as condições e os preços dos seguros que pretendem atuar.
Segundo, seria incentivar a criação de seguros massificados para consumidores das classes C e D/E. Como exemplo, seguros para celulares, contra inundação, de automóvel e residência, vida e acidentes pessoais de fácil contratação via insurtech’s, caixas eletrônicos etc. com absoluta simplicidade, de aceitação automática e com liquidação de sinistro ágil e mais simples ainda, com indenização rápida, desburocratizada e, sobretudo, ética.
O terceiro seria a necessária solução às operações do seguro, principalmente sobre os corretores de seguro – independente se autorregulação ou não – deixando clara a legítima interveniência legal e ética deste profissional no contrato de seguro.
O quarto seria a necessária manutenção da SUSEP como reguladora das operações e atividades das seguradoras em relação a solvência e sua manutenção econômica / financeira.
O quinto seria - como corolário ao quarto aspecto – conceder maior liberdade de investimento às seguradoras em relação às suas reservas técnicas.
O sexto seria o entendimento do mercado consumidor com relação à questão de tratativa de risco. As grandes empresas – não tanto no Brasil ainda – estão cada vez mais tratando os seus grandes riscos através de soluções financeiras e econômicas que permitam retenção de risco mediante aplicação de auto seguros e grandes franquias. A introdução, cada vez maior, da Enterprise Risk Management – ERM, nas operações chave das empresas, demonstra claramente essa tendência, a qual certamente poderá influir nos seguros de grandes riscos. Não será nos riscos comuns de danos materiais, transportes, responsabilidade civil e garantias mas nos riscos que irão afetar a real sustentabilidade da empresa, alguns sem condição de proteção securitária ou não passíveis de transferência a terceiros.
O sétimo seria, possivelmente, o mais difícil e importante. Uma atividade séria do mercado em geral: seguradoras, resseguradoras e corretores devem demonstrar claramente ao cético consumidor de seguro a importância desse produto. Historicamente maltratado por conta da atuação pouco profissional do mercado, o consumidor mantém a ideia errônea de que o seguro e os seus serviços inerentes não são importantes investimentos.
Com adoção dessas medidas, parece-me, que teriam real possibilidade de aumentar a concorrência e desenvolver o nosso mercado.
Gostaria, no entanto, de demonstrar a minha sincera esperança de melhores tempos para o mercado de seguros. Tanto para os que nele operam quanto para os consumidores desse produto. Ao meu ver, os novos ares na SUSEP, com interesse demonstrado em pesquisar o mercado, até mesmo o próprio seguro, e propor análises de mudanças permitem essa esperança.
São Paulo, 30 janeiro 2020