A COBERTURA DO SEGURO GARANTIA JUDICIAL – Reflexão sobre o clausulado da SUSEP.
Thiago Leone Molena.
Advogado securitário.
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O objeto do seguro garantia está descrito no art. 2º da Circular SUSEP n. 477/2013 como sendo o “fiel cumprimento das obrigações assumidas pelo tomador perante o segurado”; o objeto da garantia do seguro garantia judicial, contudo, está no item 1.1, da Modalidade VI, do Anexo I, da Circular SUSEP n. 477/2013, que padroniza as apólices deste segmento, como “este contrato de seguro garante o pagamento de valores que o tomador necessite realizar no trâmite de processos judiciais.” (grifo nosso).
A redação é infeliz porque i) induz a interpretação de que os valores de qualquer natureza jurídica são passiveis de cobertura securitária; ii) é falha em não especificar ou limitar as espécie de valores que estarão cobertos na apólice; iii) os termos “pagamento”, “valores” e “necessite realizar” fazem crer que o cumprimento da obrigação imposta ao tomador é imediata através da entrega do dinheiro nos autos; iv) faz crer, também, que todos os valores de todas as naturezas jurídicas estão assegurados; v) a locução “necessite realizar” cria ideia de imposição legal, de necessidade premente ou urgência na realização.
Em primeiro lugar, não são todos os valores ou obrigações processuais pecuniárias de que estarão cobertas no seguro garantia judicial, bem como também não estão cobertos os valores de quaisquer naturezas jurídicas decorrentes do processo judicial.
As obrigações processuais pecuniárias de natureza tributária, por exemplo, estão fora do rol de cobertura por que constituem dever de pagamento imediato do litigante aos cofres do Estado, o que logicamente não integra o seguro e a própria legislação não viabiliza a utilização da apólice. O art. 1.007 do Código de Processo Civil impõe o pagamento de preparo recursal, porte remessa e retorno no ato da interposição do recurso de apelação, sob pena de deserção. No Estado de São Paulo, o recolhimento de qualquer taxa de prestação do serviço de natureza jurídica é regulado pela Lei Estadual n. 11.608/2003, que estipula o preparo de apelação em 4% sobre o valor da condenação, que deverá ser pago em qualquer banco aos cofres da Fazenda do Estado através da guia DARE-SP e o comprovante apresentado nos autos. Trata-se, portanto, de um valor específico que a parte do processo judicial necessita efetuar no processo, porém sem qualquer amparo no seguro garantia judicial.
Neste sentido, os exemplos de valores impassíveis de cobertura securitária são inúmeros. A Lei Estadual n. 11.608/2003, ainda, disciplina o pagamento de valores, a título de taxas processuais para i) interposição da inicial, reconvenção e oposição de embargos no montante de 1% sobre o valor da causa no ato da distribuição; ii) taxa de satisfação de obrigação em execução no montante de 1% sobre o valor determinado na sentença; iii) taxa de emissão e processamento de carta precatória no montante de 10 UFESP, R$ 257,00 atualmente, etc. O Superior Tribunal Justiça disciplina o recolhimento do preparo recursal para Recurso Especial através da Guia de Recolhimento da União através da Resolução 02/2017, sendo que o recorrente ao STJ deverá comprovar, no ato da interposição do Recurso Especial, o recolhimento do valor determinado aos cofres da Fazenda Nacional, sob pena de deserção. Todos esses casos são situações em que a disposição da Circular SUSEP mostra infeliz e tormentosa ao segurado, tomador, corretor e, principalmente, ao juiz.
O Código de Processo Civil, por sua vez, dá das diretrizes das obrigações que podem ser abrangidas pelo seguro garantia judicial: i) § 2º, do artigo 835 fixa claramente que “para fins de substituição da penhora, equiparam-se a dinheiro a fiança bancária e o seguro garantia judicial, desde que em valor não inferior ao do débito constante da inicial, acrescido de trinta por cento”; ii) parágrafo único, do artigo 848 aponta que “a penhora pode ser substituída por fiança bancária ou por seguro garantia judicial, em valor não inferior ao do débito constante da inicial, acrescido de trinta por cento.” A penhora é o ato jurídico processual determinado pelo juiz que visa reter bens (dinheiro) ou direitos do litigante para garantir total ou parcial o cumprimento da obrigação principal discutida no processo.
Além da penhora, o processo civil institui a caução que é ato do litigante, independentemente de ordem do juiz, disponibilizar garantia pecuniária no processo para viabilizar discussão judicial dependendo de disposição legal ou de estratégia processual. Ela é oriunda do princípio de “cautela que se tem ou se toma, em virtude da qual certa pessoa oferece a outrem a garantia ou segurança para o cumprimento de alguma obrigação.” (DE PLÁCIDO E SILVA, 1987, vol. I, p. 405).[i]
Com base no § 1º, do artigo 300 do Código de Processo civil, a parte do processo - não necessariamente o devedor ou potencial perdedor, mas o autor da ação - poderá espontaneamente apresentar caução em dinheiro para viabilizar a concessão de tutela de urgência, sendo plenamente possível que a caução se materialize na forma de seguro garantia judicial que é igual a dinheiro.
Nos termos dos artigos 914 e 919 do Código de Processo Civil, o executado poderá espontaneamente apresentar caução do valor da execução visando obter efeito suspensivo aos embargos à execução, sem que haja qualquer necessidade de fazer. Por exemplo, uma seguradora que é ré em uma ação de execução de apólice de seguro vida pode espontaneamente contratar um seguro garantia judicial com outra seguradora pedindo o efeito suspensivo aos seus embargos, uma vez que o sinistro pode não ter amparo de cobertura na apólice.
Por esses argumentos, o clausulado padrão da Circular SUSEP quanto ao objeto da cobertura do seguro garantia judicial é inócuo, insuficiente e limitado quanto à especificidade e complexidade da matéria, especialmente, quanto a técnica processual civil.
O Ministro do STJ Ricardo Villas Bôas Cuevas sintetizou de forma razoavelmente centrada o objeto da cobertura securitária do seguro garantia ao julgar o REsp n. 1.691.748-PR, em 07/11/2017, especificando a natureza jurídica do temo “valor” constante do clausulado padrão referindo-se aos “depósitos judiciais”:
“8. O seguro garantia judicial, espécie de seguro de danos, garante o pagamento de valor correspondente aos depósitos judiciais que o tomador (potencial devedor) necessite realizar no trâmite de processos judiciais, incluídas multas e indenizações.”
O depósito judicial é o instrumento de materialização da garantia penhora ou caução e parece ser razoável compreender que é somente o potencial devedor que poderá apresentar a apólice, mas qualquer litigante credor ou devedor que decida por estratégia processual apresentar garantia pecuniária nos autos viabilizando a obtenção vantagem processual.
Oposto ao que faz crer a padronização da SUSEP, não são todos ou quaisquer valores exigidos no processo judicial em face do tomador (litigante) que terão cobertura no seguro garantia judicial, em razão essencialmente da natureza jurídica de tais obrigações processuais, a impossibilidade legislativa e por não se encaixam na apólice.
Os “valores” objeto do seguro garantia judicial são aqueles que garantem através de deposito judicial o fiel cumprimento da obrigação judicial principal discutida nos autos e materializada por meio da penhora ou da caução, cuja apresentação nos autos pode ser exigida ou facultativa em caráter antecedente ou inicial para realização de determinado ato processual.
Finalizando, o seguro garantia judicial é contrato pelo qual o segurador, legalmente constituído e autorizado a operar, garante, mediante recebimento do prêmio, legítimo interesse do segurado referente ao fiel cumprimento da obrigação judicial contra o risco de inadimplemento pelo tomador, que também é responsável pelo pagamento do prêmio (CC, art. 757; Circular SUSEP n. 477/2013, art. 2º e 4º), sendo que o objeto contratual é a garantia aos valores que o litigante processual seja compelido ou espontaneamente apresente através de depósito judicial nos autos para garantia e cautela da discussão da obrigação principal.
[i] SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 10ª ed., 1987, Rio de Janeiro : Editora Forense, 4 volumes.